Por Adriel Alcântara
Em tempos de estética sobre ética e de narrativa sobre normatividade, uma decisão recente do Tribunal de Contas da União merece mais do que a costumeira leitura técnica: impõe uma reflexão estrutural sobre os vícios administrativos naturalizados no cotidiano da gestão pública. Trata-se do Acórdão nº 3501/2025-1C, relatado pelo Ministro Jhonatan de Jesus, que afirma, com a clareza que o bom direito exige, que fotografias desacompanhadas de provas robustas são insuficientes para comprovar a regular aplicação de recursos públicos transferidos por convênio.
A assertiva, embora óbvia à luz do ordenamento jurídico, soa como provocação para uma cultura administrativa cada vez mais afeita à superficialidade documental. Registros fotográficos podem até ilustrar realizações, mas jamais substituem a exigência legal de comprovação objetiva e rastreável da destinação dos recursos. A regra é simples: quem gasta dinheiro público, prova com documentos, não com retratos.
O princípio da legalidade administrativa, insculpido no art. 37 da Constituição Federal, não admite elasticidades estéticas. O agente público está atrelado à lei, e a lei exige mais do que imagens: exige notas fiscais, contratos, termos de recebimento, relatórios técnicos e toda a cadeia documental que demonstre o nexo entre o recurso transferido e o objeto pactuado. Fotografias, quando muito, servem como suporte complementar, jamais como substituto probatório.
O TCU, ao fixar esse entendimento, não inova, mas reforça o que deveria ser inquestionável: a prestação de contas é um exercício de responsabilidade e transparência, e não uma vitrine de realizações superficiais. Quando a Administração Pública admite que fotos de placas, obras ou eventos bastem para justificar o uso de verbas, abre-se espaço para a ficção institucional e fecha-se a porta para o controle republicano.
Mais do que uma crítica à má prática, a decisão consagrada no Acórdão 3501/2025-1C é uma advertência contra a estetização da gestão pública, fenômeno perigoso que se nutre de fotos bem enquadradas, discursos performáticos e ausência de lastro documental. Em tempos de redes sociais e marketing institucional agressivo, o controle externo cumpre um papel civilizatório ao lembrar que a boa governança começa com a regularidade formal e não com a fotogenia dos atos administrativos.
O desafio, portanto, não é apenas técnico, mas cultural. É preciso reeducar a lógica administrativa para que compreenda que aparência não é evidência, e que gestão pública não se valida com curtidas ou aplausos, mas com documentos que resistam à auditoria. O TCU fez a sua parte. Cabe agora aos gestores e operadores do Direito fazerem a sua: cumprir, exigir e fiscalizar com seriedade aquilo que não cabe numa imagem, mas cabe no Direito.