Por Aryadny A
Há algo profundamente revelador quando um projeto de “escolas cívico-militares” surge embalado como solução para a educação pública, mas carrega, na essência, uma visão autoritária de mundo. Em Aracaju, a proposta de transformar escolas em quartéis não nasce do diálogo com a comunidade escolar, nem da escuta de professores, estudantes e famílias. Ela parte de cima para baixo e isso diz muito sobre quem a propõe e sobre os privilégios que sustentam esse discurso.
Quando essa defesa vem de uma mulher branca, rica e socialmente blindada das violências cotidianas enfrentadas pela maioria da população, a incoerência se torna ainda mais evidente. A experiência de quem nunca teve sua liberdade ameaçada, seu corpo vigiado ou sua voz silenciada não pode ser tomada como parâmetro para políticas públicas que afetam, majoritariamente, jovens periféricos e negros. Ainda assim, é exatamente isso que acontece quando figuras como Moana Valadares se colocam como porta-vozes da “ordem” dentro da escola.
A escola não é e nunca deveria ser um espaço de adestramento. Educação não se constrói com hierarquia rígida, medo ou punição, mas com pensamento crítico, autonomia, afeto e liberdade. Transformar o ambiente escolar em um espaço militarizado é admitir o fracasso do Estado em garantir políticas educacionais de qualidade e, ao mesmo tempo, escolher o caminho mais fácil: controlar em vez de educar.
Há uma contradição gritante nesse projeto. Quem sempre teve acesso a boas escolas, ambientes seguros, estímulo ao pensamento crítico e liberdade para errar dificilmente foi educado sob gritos de ordem ou disciplina militar. No entanto, para os filhos da classe trabalhadora, propõe-se o oposto: vigilância, submissão e silêncio. Isso não é igualdade. É a reprodução mais cruel das desigualdades sociais.
A retórica da “disciplina” costuma esconder um medo profundo da juventude pobre. Medo de que pense, questione, se organize e reivindique direitos. A militarização da escola não resolve problemas estruturais como evasão escolar, falta de investimento, precarização do trabalho docente ou ausência de políticas sociais integradas. Ela apenas mascara esses problemas com fardas, bandeiras e comandos.
Educação é ferramenta de emancipação, não de controle social. Qualquer projeto que trate estudantes como soldados em formação, e não como sujeitos de direitos, está fadado a falhar ou pior, a formar cidadãos obedientes, mas não conscientes. A incoerência está justamente em defender um modelo autoritário em nome de uma suposta melhoria educacional, quando o que se promove, na prática, é o esvaziamento do papel crítico da escola.
Autoritarismo não combina com educação. Combina com privilégio, com medo e com a manutenção de um sistema que prefere calar a transformar.




