Ao completar 150 anos, a Catedral Metropolitana de Aracaju reafirma seu papel como um dos principais marcos históricos, religiosos e urbanos da capital sergipana. Mais do que um templo, a igreja se confunde com a própria formação da cidade, fundada em 1855, e traduz, em sua trajetória, a relação entre fé, poder, urbanização e memória coletiva.
Segundo o historiador Amâncio Cardoso, mestre em História Social, licenciado em História, pesquisador e autor de artigos sobre a história de Sergipe e Patrimônio Cultural, a ligação entre a Catedral e Aracaju se estabeleceu de forma imediata. “A conexão da Catedral Metropolitana com a capital, ela foi imediata, porque nós vivemos e vivíamos no século XIX num país extremamente católico, cuja religião católica era oficial e era uma religião do Estado. Então, era praticamente a única religião constitucionalmente instituída. Portanto, uma cidade e, sobretudo, capital, sem uma igreja católica, seja ela capela, igreja ou um templo maior, como a catedral, que quer dizer a catedral além de ser maior ela é centro da eclesia da circunscrição eclesiástica. Ou seja, a fundação de uma capital no século XIX tinha que conter um templo católico”, explicou.
A localização da Catedral, no centro da cidade, também ajuda a compreender o processo de fundação da capital. Amâncio explica que o templo está inserido no eixo central do plano urbano concebido para Aracaju. “A catedral demonstra, pela sua localização, na linha do eixo central, do quadrante de Pirro, que a cidade de Aracaju, como capital, ela foi construída aqui nessa área, nessa depressão em relação ao alto da colina de Santo Antônio”. Ele ressalta que há uma interpretação equivocada de que a capital teria se iniciado no bairro Santo Antônio. “Lá foi onde ocorreram as sessões da Assembleia Provincial para apreciar e aprovar o projeto da futura capital que será construída no plano Pirro”.
De acordo com Amâncio, a construção da Catedral Metropolitana passou por mudanças de planejamento. Inicialmente, o fundador da capital, Inácio Barbosa, pretendia erguer a matriz ao lado do Palácio de Governo, o Palácio-Museu Olímpio Campos. “Inclusive chegou a ser feito os alicerces da então Igreja Nossa Senhora da Conceição, que não chegou a terminar”. Somente em 1862 tiveram início os alicerces da igreja no local atual, já que a área ao lado do Palácio foi destinada à Assembleia Legislativa, inaugurada em 1873. “Aqui começaram os primeiros batimentos, a fundação da obra em 1862, e só acaba 13 anos depois. Porque a catedral é muito volumétrica, ela tem uma volumetria grandiosa. Era uma igreja pretensiosa para uma pequena capital em 1875, quando terminaram as obras”, disse.
A Catedral Metropolitana de Aracaju também se destaca pelo contexto arquitetônico. “A catedral predomina elementos de características neogóticas, como as janelas e os arcos ogivais. Todos os arcos internos e externos de janelas, de seções, são ogivais, em forma de ogiva, como se fosse um míssil. A torre do relógio e a torre sineira, elas são pontiagudas, em forma triangular. Isso também é outra característica neogótica. Outro elemento que caracteriza a arquitetura neogótica como predominante na Catedral Metropolitana de Aracaju são as rosáceas com vitrais. Isso é uma característica de que todas as catedrais europeias, e também as gárgulas, que são encanações para escoamento da água de chuva”, explicou o historiador.
Para além da arquitetura e da religião oficial do Império, a Catedral se consolidou como espaço de memória social. “Esse templo foi muito trabalhoso para construir e a população à época, em 1875, era predominantemente católica”. O local sediou celebrações religiosas, atos solenes, alianças políticas e eventos históricos, como a comemoração do fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918. “Tudo isso faz com que o lugar tenha uma memória associada à história da cidade, independente da religião dos cidadãos”, destacou Amâncio. Por essa relevância, o templo foi tombado em 1985, embora, segundo o historiador, também mereça reconhecimento como patrimônio imaterial.
Entre as tradições mais antigas ligadas à Catedral está a procissão de Bom Jesus dos Navegantes. “Ela ocorre desde os primeiros anos de fundação de Aracaju, quando ainda não tinha catedral”. A celebração percorre pontos simbólicos da cidade, conectando fé, território e história. “É uma procissão que está ligada também à fundação da cidade de Aracaju”, concluiu Amâncio.
Fé e pertencimento
No cotidiano, a Catedral Metropolitana segue sendo um ponto de encontro entre devoção, memória e vida urbana. Fiéis, trabalhadores e comerciantes convivem diariamente no entorno da Praça Olímpio Campos, onde a presença do templo organiza o fluxo de pessoas e mantém vivas práticas religiosas e sociais.
Para o padre Anderson Gomes, a devoção a Nossa Senhora da Conceição acompanha a formação urbana e cultural de Aracaju. “As pessoas que têm mais idade carregam uma devoção profunda à Nossa Senhora da Conceição, porque ela realmente fundou uma geração, uma cultura imbuída na fé católica.” Mesmo com a expansão da cidade e o afastamento de parte da população do centro, ele observa que a festa da padroeira mantém viva essa ligação. Durante o período festivo, muitos fiéis retornam à Catedral para renovar promessas, orações e agradecimentos. Sobre o significado da santa, o pároco reforça: “Para nós, Nossa Senhora da Conceição é a Mãe de Deus, a mulher que acolheu o anúncio do anjo e nos inspira pela humildade, pela esperança e pela capacidade de acreditar. Neste tempo difícil, ela aponta para a luz e para o amor”, disse.
Essa relação de pertencimento também se expressa na trajetória de Maria Aliete de Jesus Lima, de 93 anos, ministra extraordinária da comunhão eucarística da Catedral há 14 anos e com mais de oito décadas dedicadas ao apostolado da oração. “A catedral é uma referência. É a igreja mais importante do Estado, é a igreja do bispo, a igreja onde são realizados grandes eventos”. A dedicação à fé atravessa sua vida. “Eu sempre amei a igreja católica, sempre fui fiel à minha igreja. Então, é muito gratificante a gente chegar a uma idade que eu cheguei ainda servindo a igreja por amor e sabendo que a igreja nos conduz ao céu”, pontuou.
No entorno da Catedral Metropolitana, a dinâmica urbana também se mantém a partir do comércio e do artesanato, impulsionados pelo fluxo constante de fiéis e turistas que circulam pela região. Para a artesã Maria Helena Teixeira, de 60 anos, que trabalha há três anos na praça da Catedral, o templo exerce papel central na geração de renda e na visibilidade do trabalho local. “Ela representa a presença de visitantes e turistas, já que muitos vêm ao local justamente por causa da Catedral, para conhecer o templo. Ajuda muito nas nossas vendas, na nossa divulgação também, porque eles tiram foto. A catedral é tudo para a gente que trabalha aqui. Por causa da catedral e dos turistas que vêm nos visitar, temos segurança e temos limpeza urbana garantida”, afirmou.
A história de Sergipe e de Aracaju também tem ganhado novas formas de divulgação por meio das redes sociais. Um dos exemplos é o trabalho do influenciador digital Leonardo Ferreira, criador do perfil ‘Soube Por Léo’. Para ele, contar essas histórias ajuda a ressignificar os espaços do cotidiano. “Eu acho que é importante porque as pessoas começam a ter uma nova visão sobre os lugares por onde passam diariamente, porque muitas vezes caminham pelos espaços públicos e não se dão conta do tanto de história que existe por trás”, disse, citando Catedral Metropolitana como exemplo de espaço de história. “São 150 anos de história e pinturas da missão italiana, com obras de Gatti, Gentili. Também tem o famoso relógio da torre, que muitas pessoas não se dão conta de que era um dos relógios que tinha som e que as pessoas se guiavam muito por ele. Então, há várias curiosidades, as pessoas circulavam muito por esse Parque Teófilo Dantas, que está justamente inserido na catedral. Portanto, é um espaço muito importante para toda a sociedade aracajuana”, concluiu.





